Natal de Jesus: por um mundo onde caibam todas e todos

Maria deu à luz o seu filho primogênito.
Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura,
pois não havia lugar para eles dentro da casa.

(Lucas 2, 7)

 Sempre que se aproxima o Natal, nós cristãos somos chamados a rememorar a cena do nascimento de Jesus. Sua família sai de Nazaré em direção à Belém, para participar do censo imposto pelo governo da época. Ao chegar na cidade, José e Maria, às vias de dar à luz ao menino, não encontram lugar para se hospedar. São obrigados a se abrigar em uma estrebaria, onde ficavam os animais. Tendo nascido, Jesus é colocado numa manjedoura, um cocho, onde os animais se alimentavam. A narrativa bíblica nos lembra que não havia lugar para Maria e José na hospedaria, ecoando a realidade de inúmeras pessoas em situação de rua no Brasil e no mundo. Assim como Jesus nasceu em um contexto de exclusão, muitos vivem à margem da sociedade, privados de moradia, dignidade e oportunidades. Como Jesus, há muitas crianças hoje nascendo sem um lugar, um teto para passar a noite.

Este contexto de violações e de solidariedade deveria nos levar a refletir e a atuar mais na proteção e no cuidado com as pessoas em situação de rua. Os dados sobre esta população no Brasil, levantados por instituições como o IPEA e o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua/POLOS-UFMG), demonstram o crescimento alarmante desse grupo. Atualmente os dados apontam que existem mais de 300 mil pessoas em situação de rua em mais de 2.300 municípios em todas as regiões do Brasil. No entanto, esses números frios escondem a complexidade dessa realidade. É crucial destacar que essa população é composta por indivíduos com diferentes histórias e características, sendo importante ressaltar a presença significativa de crianças, jovens, negros e migrantes.

Conforme dados recentes do Ministério dos Direitos Humanos, quase 20% da população em situação de rua são crianças e jovens, expondo a vulnerabilidade da infância e da juventude. Quase 70% são negros, o que evidencia a persistência do racismo estrutural em nossa sociedade. Além disso, 61% são migrantes, demonstrando os desafios enfrentados por aqueles que buscam melhores condições de vida em outras regiões ou países. Esses dados revelam a urgência de políticas públicas específicas que considerem as particularidades desses grupos.

Enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
Porque o meu tempo de esperar é um
Tempo de quefazer.

(…)
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.

(Paulo Freire, Canção óbvia – Pedagogia da Indignação)

Este cenário nos provoca sobre a importância de tecer redes de proteção também no âmbito das pessoas em situação de rua. Nossa Rede, com o caminho proposto por nossas diretrizes, pode ajudar a apontar caminhos para vida digna dessas pessoas, jovens, crianças, famílias inteiras, que muitas vezes, como Jesus, são esquecidos e rejeitados pela sociedade. Inspirados pelo exemplo de Jesus e provocados por Paulo Freire, somos chamados a ser “jardineiros e jardineiras da esperança”, semeando o bem e construindo um mundo mais justo e solidário. Para que essa semeadura floresça, somos chamados a conectar a mensagem de acolhimento e cuidado com políticas públicas efetivas que garantam direitos e dignidade.

A falta de lugar para Jesus na hospedaria não foi apenas uma questão de espaço físico, mas um símbolo da rejeição e da indiferença que ele enfrentaria. Da mesma forma, a situação de rua não se resume à ausência de um teto ou vadiagem, malandragem, como muitos de nós somos sempre provocados a pensar; ela é uma complexa junção de fatores pessoais, sociais, culturais e econômicos e, portanto, exige uma abordagem integral. É nesse ponto que a conexão entre políticas de proteção e políticas de moradia, trabalho e renda e educação se torna fundamental:

  • A garantia de moradia digna é um direito fundamental e o primeiro passo para romper o ciclo da situação de rua. Programas habitacionais, aluguel social e outras iniciativas que ofereçam moradia segura e acessível são essenciais. Sem um lar, outras políticas se tornam menos eficazes.  
  • Oferecer oportunidades de trabalho e renda é crucial para a autonomia e a reinserção social. Programas de qualificação profissional, incentivos à contratação e apoio às iniciativas das pessoas em situação de rua, podem ajudá-las a reconstruírem suas vidas. A educação é um instrumento poderoso de transformação social. 
  • Oferecer acesso à educação formal e a programas de alfabetização e qualificação profissional amplia as oportunidades e fortalece a autoestima. É importante criar estratégias que considerem as especificidades de crianças, jovens, negros e migrantes, combatendo a evasão escolar e promovendo a inclusão educacional. 
  • As políticas de assistência social, como o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), desempenham um papel crucial no acolhimento, no acompanhamento e no encaminhamento para outros serviços. É importante fortalecer esses e outros serviços e garantir o acesso a benefícios como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A interligação dessas políticas é essencial para uma abordagem integral e eficaz. Não basta oferecer um abrigo se não houver oportunidades de trabalho e renda. Não basta oferecer qualificação profissional se não houver moradia. A construção de uma rede de proteção social eficaz depende da articulação entre diferentes áreas e da participação da sociedade civil.

Nós da Rede Caminho de Esperança acreditamos que juntos seremos capazes de transformar essas realidades. Cada membro, cada pessoa assistida, cada companheira e companheiro de luta será capaz de se tornar um ponto fundamental neste caminho de garantia de direitos, de dignidade e de justiça social.

Que a mensagem de Jesus, nascido onde ninguém deveria nascer, nos provoque a sermos construtores de um mundo onde caibam todas e todos.

Rede Caminho de Esperança

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