Migrações e xenofobia: a necessidade de ressignificar fronteiras e construir pontes de solidariedade

Mathilde Missioneiro - 5.fev.22/Folhapress
Mathilde Missioneiro - 5.fev.22/Folhapress

Por Jaqueline Bertoldo*

Nos últimos anos, testemunhamos um endurecimento das políticas migratórias em diversas partes do mundo. As deportações em massa, o fechamento e a externalização de fronteiras e a imposição de barreiras ao acolhimento de refugiados tornaram-se práticas cada vez mais comuns, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, embora o país tenha cultivado a imagem de nação acolhedora e solidária aos imigrantes, a realidade revela um cenário distinto, marcado por desigualdades, racismo e xenofobia.

Enquanto estrangeiros europeus e norte-americanos são sempre bem vindos nessas terras, vistos como investidores e empresários, imigrantes negros e latinos não raramente se deparam com fronteiras e portas fechadas. Aqui na cidade de São Paulo, onde vivo e atuo pela causa migratória, tornaram-se cada vez mais comuns os relatos de agressões policiais contra senegaleses, impedidos de trabalhar no comércio de rua, e contra bolivianos e venezuelanos, vistos como um problema social. Por sua vez, a xenofobia também se expressa no campo político, seja pela falta de políticas públicas estruturais para acolher essa população, ou mesmo através de um simples boné com a frase “Brasil para os brasileiros” que, longe de ser inofensiva, fomenta a segregação entre os diferente povos que compõem nosso país.

Podemos dizer que parte dessa compreensão acerca da imigração está diretamente relacionada com a forma como estabelecemos nossas relações diante da diferença e do outro. Impulsionado por visões ultranacionalistas e xenófobas, é recorrente no imaginário coletivo o discurso do imigrante que rouba empregos, que sobrecarrega o Estado, que vem “destruir” a cultura nacional, que não se adapta aos costumes locais. Assim, o imigrante vai se tornando o bode expiatório para as crises econômicas, políticas e sociais, fomentando a lógica do individualismo, do fechamento em si mesmo, da proteção contra tudo que é exterior. Esse discurso, contudo, ignora o fato de que vivemos em constante relação com o outro, que nossas sociedades são plurais, que não existem muros ou cercas capazes de nos isolar completamente da alteridade.

Por isso, cada vez mais entendo que as migrações contemporâneas podem ser uma importante chave de leitura e compreensão do nosso tempo. É necessário transformar nosso olhar não somente sobre o imigrante, mas sobre o nosso país e o nosso povo, profundamente diverso e culturalmente rico. As fronteiras, que constantemente têm sido invocadas como instrumentos que prometem controle e segurança, que nos cercam e nos separam, podem ser ressignificadas como espaços onde o encontro com a alteridade acontece. Na relação com o outro, descobrimos mais sobre nós mesmos, brasileiros, latinos, afrodescendentes, povos originários, povos de Abya Yala. Na relação com o outro, podemos aprender a valorizar e fortalecer a diversidade que nos constitui e sustenta, nas diferentes línguas, etnias, origens, espiritualidades, culturas…

Nesse sentido é que o Papa Francisco, em sua encíclica “Fratelli Tutti”, nos convida à amizade social, uma perspectiva que rompe com a lógica do medo, da exclusão, do fechamento em nós mesmos. A hospitalidade, segundo ele, não depende de passaporte ou nacionalidade, mas é um princípio ético e espiritual que orienta nossas relações. A globalização da indiferença precisa ser substituída pela cultura do encontro, em um chamado à fraternidade universal que desafia os muros e nos lembra que nossa sobrevivência coletiva depende da solidariedade e da nossa dependência fundamental do outro. Construir pontes ao invés de muros é um imperativo moral e político do nosso tempo. Se queremos um futuro com direitos para todos e todas, precisamos superar o medo do diferente e reafirmar a convicção de que somos, todos, diversos e migrantes.


Jaqueline Bertoldo é Doutora em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal do Paraná. Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente é coordenadora de projetos na Rede Sem Fronteiras e trabalha na Secretaria Executiva da Articulação Igreja Rumo à COP 30, pela CNBB. Foi pesquisadora do Observatório das Migrações Internacionais da Universidade de Brasília. Defensora e ativista pelos direitos das pessoas migrantes e refugiadas.

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